A ilegalidade da incidência do ICMS sobre as tarifas de transporte e distribuição de energia elétrica (TUST e TUSD): um problema que afeta a todos.
8 de novembro de 2017
Os consumidores de energia elétrica, sejam pessoas físicas ou jurídicas, recolhem ICMS aos cofres públicos toda vez que realizam o pagamento de suas contas de energia elétrica. O ICMS é um imposto de competência estadual incidente sobre operações relativas à circulação de mercadorias. Como a legislação tributária brasileira e a Constituição Federal consideram a energia elétrica como mercadoria para fins tributários, o ICMS é devido por todos os seus usuários.
Ocorre que muitos estados, ao realizarem a cobrança do ICMS sobre a energia elétrica, cometem uma ilegalidade que acaba por elevar consideravelmente o valor do imposto pago, onerando indevidamente os contribuintes. Trata-se da inclusão, na base de cálculo do ICMS, da Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) e da Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD).
Ambas as tarifas, TUST e TUSD, são encargos regulados pela ANEEL e pagos pelo consumidor para remunerar o transporte e a distribuição da energia elétrica. No entanto, não se confundem com a energia elétrica em si, esta sim a mercadoria cuja circulação é fato gerador do ICMS, de modo que os valores dessas tarifas não podem ser incluídos na base de cálculo do ICMS, por absoluta ausência de previsão legal ou constitucional para tanto.
Esta ilegalidade, reconhecida por muitos tribunais país afora, alcança a todos os consumidores de energia elétrica. Muitos deles têm conseguido decisões judiciais favoráveis à restituição dos valores pagos indevidamente a título de ICMS nos últimos cinco anos, bem como a redução da base de cálculo do imposto, inclusive em sede de liminar, com a exclusão da TUST e da TUSD, o que representa uma economia futura bastante expressiva.
Para se ter ideia, um levantamento realizado pelas autoridades fazendárias dos Estados e do Distrito Federal apurou que o valor do ICMS sobre a TUST e a TUSD corresponde a cerca de 44% do valor do ICMS arrecadado com energia elétrica no país.
Nesse contexto, se de um lado os contribuintes defendem que as tarifas de transporte e de distribuição não podem ser tributadas pelo ICMS, de outro lado, as Fazendas Estaduais brigam pela manutenção da tributação sobre essas tarifas, haja vista que a principal fonte de receita dos estados é justamente o ICMS e, portanto, a não incidência do imposto sobre a TUST e a TUSD representaria um rombo na arrecadação, estimado em aproximadamente 13,4 bilhões de reais por ano (perda anual apurada com base na arrecadação de 2014).
Até março deste ano, essa batalha judicial vinha sendo vencida pelos contribuintes, uma vez que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acerca do tema se mantinha pacífica e uniforme no sentido de que a TUST e a TUSD não integram a base de cálculo do ICMS.
No entanto, no dia 21.03.17, ao julgar o REsp nº 1163020/RS, a 1ª turma do STJ, por maioria de votos (três votos contra dois), inovou o entendimento antes consolidado pelo tribunal, numa decisão que entendeu pela incidência do ICMS também sobre a TUSD.
Essa decisão, no entanto, é isolada e não representa uma mudança definitiva da posição do STJ sobre o assunto. Tanto que, em 20.04.17, apenas um mês depois dessa decisão, a 2ª turma do STJ pronunciou-se novamente a favor do contribuinte, reiterando o entendimento consolidado na corte. No julgamento do REsp nº 1649658/MT, a turma decidiu, por unanimidade, que o ICMS não incide sobre a TUSD.
Em seu voto, o ministro relator Herman Benjamin fez importantíssima consideração acerca da recente mudança de posicionamento da 1ª turma sobre o tema: “uma vez preservado o arcabouço normativo sobre o qual se consolidou a jurisprudência do STJ e ausente significativa mudança no contexto fático que deu origem aos precedentes, não parece recomendável essa guinada, em atenção aos princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia (art. 927, § 4°, do CPC/2015).” (REsp 1.649.658/MT, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 05.05.2017)
O fato é que a possibilidade ou não da inclusão da TUST e da TUSD na base de cálculo do ICMS ainda depende de um desfecho definitivo.
Em decisão muito recente, de 04.08.17, o Supremo Tribunal Federal decidiu que não existe repercussão geral acerca da questão por não se tratar de matéria constitucional. Ou seja, pelo menos por enquanto, não haverá manifestação da corte constitucional sobre a questão, que continuará sendo decidida pelo STJ.
Diante da divergência de entendimento entre a 1ª e 2ª turmas, há pouco referida, é muito provável que a questão seja levada ao crivo da 1ª Seção do STJ, que reúne as duas turmas, a fim de se uniformizar novamente a jurisprudência da corte.
Tendo em vista a necessidade de preservar a segurança jurídica, segundo a qual jurisprudências consolidadas só devem ser alteradas caso haja substancial modificação nos pressupostos que a fundamentaram, acreditamos que a tendência é de um julgamento pró-contribuinte, que reconheça a impossibilidade da inclusão da TUST e da TUSD na base de cálculo do ICMS incidente sobre a energia elétrica.
Cumpre observar também que na 2ª turma, a votação é geralmente unânime em favor do contribuinte, enquanto que na 1ª turma, a recente decisão a favor do Estado foi apertada, com 3 votos contra 2. Logo, atualmente, a maioria dos ministros da 1ª Seção vota a favor do contribuinte.