Os Desdobramentos Econômicos do Coronavírus: como ficam as relações contratuais?

3 de abril de 2020

Não existe, em tempos atuais, quem não esteja atento aos desdobramentos da pandemia de COVID-19. Seus impactos transbordaram as esferas pessoais da vida e espraiaram-se para todas as searas da sociedade, afetando as relações profissionais e comerciais de forma nunca antes vivenciada. Se tais fatos impactam fortemente na economia, certamente afetam, também, as relações contratuais existentes.

Como ficam, então, os contratos paritários – aqueles celebrados entres as partes em condições de igualdade para estabelecerem seus termos – diante dessa conjuntura econômica? Se o cenário é complexo, a solução para seu desfecho não comporta análises simplistas, de modo que cada caso demanda um exame em concreto de suas peculiaridades.

Pois bem.

O primeiro passo é averiguar se é possível manter o instrumento contratual, tal como pactuado. Isto porque, sendo os contratos os principais mecanismos destinados à efetivação da ordem econômica, é salutar que sejam majoritariamente mantidos, cumprindo-se integralmente as obrigações lá estabelecidas, a fim de se evitar o colapso na circulação de bens e serviços. Trata-se, pois, do princípio da obrigatoriedade dos contratos, cuja mitigação, a fim de se obter a revisão ou a extinção contratual, só poderá ocorrer extraordinária e casuisticamente.

Sabe-se, todavia, que, diante de uma pandemia com inquestionável impacto econômico mundial, eclodirão situações em que o contrato, de fato, não poderá ser mantido da forma como pactuado. Sendo este o caso, dar-se-á preferência à sua revisão, a fim de se retomar o equilíbrio contratual, em homenagem ao princípio da conservação dos negócios jurídicos. E, somente em último caso, não restando alternativa diversa, deve-se recorrer à sua extinção.

Dentre os diferentes argumentos que podem ser adotados para fins de revisão ou extinção contratual, tais como a teoria da onerosidade excessiva, a exceção do contrato não cumprido e a impossibilidade da prestação obrigacional, há um, em especial, cuja popularidade se destaca: a força maior. Trata-se de evento – previsível, ou não, porém inevitável – decorrente de causas naturais. Embora a força maior pareça ser o argumento perfeito para a resolução dos imbróglios contratuais nesse momento, é preciso observar que não poderá ser utilizada genérica e indistintamente para toda e qualquer relação contratual.

É necessário averiguar, em cada situação específica, se o cumprimento do contrato foi impossibilitado em virtude dos efeitos causados pela pandemia do coronavírus. Somente em caso afirmativo haveria ensejo à resolução contratual, desobrigando o devedor dos prejuízos causados, salvo disposição contratual em contrário, ou salvo se o devedor já estivesse em mora desde antes da ocorrência da força maior, hipótese em que a parte inadimplente não teria na pandemia a sua redenção.

Assim, em tempos de ampla instabilidade, são três as principais orientações a serem seguidas em relação aos contratos: (1) a necessidade de análise em concreto de cada caso; (2) a primazia pela conservação dos contratos, dando preferência à sua manutenção integral, ou, não sendo possível, optando-se, gradativamente, pela sua revisão e, somente em última medida, pela sua extinção; e, por fim, (3) a necessidade de cooperação entre as partes. As duas primeiras já foram tratadas e a última consiste na reflexão de que, mais do que em qualquer outro momento da história recente, as atuais circunstâncias demandam a cooperação entre as partes para a preservação dos contratos.

A despeito de toda a reflexão acerca dos instrumentos jurídicos disponíveis para a revisão ou a extinção dos contratos – fundamentais para a segurança jurídica das relações comerciais e para garantir o direito daqueles que não podem contar com a boa-fé da outra parte – não é demais destacar que mais vale uma renegociação amigável entre as partes, com a consequente não interrupção do cumprimento do contrato, do que uma vitória numa ação revisional, que além de exigir anos de disputa judicial, gera um grande desgaste emocional e econômico para os envolvidos. Nesse sentido, são de grande valia os institutos da mediação, da autocomposição e da arbitragem, por exemplo.  

Em resumo, as palavras de ordem para o enfrentamento dos efeitos econômicos – e, consequentemente, contratuais – oriundos dessa pandemia são cooperação e boa-fé. Todos teremos que atravessar esse momento difícil, mas o farão de modo menos traumático aqueles que, conhecendo seus direitos e deveres contratuais, tiverem discernimento para buscar soluções intermediárias, pautadas no bom-senso e no comum acordo entre as partes, a fim de alcançar a máxima satisfação de todos os interesses envolvidos e a manutenção da confiança entre os contratantes.

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