Planejamento estratégico em empresas familiares: o caminho para a longevidade

25 de janeiro de 2021

As empresas familiares têm importância vital para a economia brasileira. Dados do Sebrae e do IBGE indicam que 90% dos empreendimentos do país são familiares, sendo responsáveis por gerar 65% do PIB brasileiro e empregar 75% da sua força de trabalho.

Muitas são as vantagens desse tipo de empresa, a começar pela agilidade na tomada de decisões, que se dá em virtude do relacionamento estreito entre os sócios, da comunicação direta, do baixo nível de formalidades e de burocracias, entre outros fatores.

Outros pontos fortes das empresas familiares são a disposição dos sócios de investir recursos próprios e de oferecer garantias pessoais para alavancar o negócio, bem como a boa imagem e reputação pessoal do fundador perante o mercado. Além disso, tais empresas geralmente não sofrem a pressão externa de investidores por resultados a curto prazo, portanto tem maior liberdade para investir em projetos de longo prazo, que atravessam gerações.

Entretanto, uma das grandes dificuldades enfrentadas por empresas familiares é justamente a transição entre gerações, processo que muitas vezes é frustrado, impedindo-as de alcançarem seus objetivos de longo prazo. Estudos apontam que só 12% das empresas familiares chegam à terceira geração e apenas 3% à quarta. Estima-se que 70% das empresas familiares extinguem-se após a morte do seu fundador.

Paradoxalmente, a “mortalidade precoce” de empresas familiares se deve, em vários casos, a um fator que justifica também muitas das vantagens desse tipo de negócio: a relação interpessoal familiar entre os sócios. A vulnerabilidade a acontecimentos não empresariais como, por exemplo, casamentos, divórcios, falecimentos e brigas entre herdeiros é motivo de muita preocupação em empresas familiares, podendo levá-las à paralisação das suas atividades e até à falência. Por isso, administrar de forma salutar família, patrimônio e negócios, no intuito de preservar a longevidade da empresa, é um desafio que exige dedicação por parte dos gestores de empresas familiares. Para tanto, é necessário desenvolver um planejamento estratégico que pode abranger instrumentos jurídicos bem variados, a depender da finalidade desejada.

Para ilustrar, a utilização de pactos “extra contrato social” (acordo de sócios, em sociedades limitadas, ou acordo de acionistas, em sociedades anônimas) permite prever regras entre a totalidade ou apenas entre um grupo determinado de sócios para , por exemplo, manter o controle da empresa , regular o exercício dos direitos de voto, de escolha do administrador e de preferência na transferência de ações. Nesses acordos, também se pode prever mecanismos de solução de conflitos, a forma de destinação dos lucros e a criação de conselhos de administração e de família. Tudo isso contribui para evitar que conflitos entre familiares, sejam eles pessoais ou ligados à própria gestão empresarial, atinjam direta e negativamente as atividades da empresa.

Mecanismos também muito úteis são os pactos antenupciais, contratos de união estável e contratos de namoro. Estes permitem que os casais definam o regime de bens que regerá a sua relação, o que influencia desde a necessidade de autorização do parceiro para a celebração de negócios com terceiros, como a compra e venda de bens imóveis, até a meação dos bens, no caso de divórcio, e a herança , no caso de falecimento.

Um pacto antenupcial bem redigido pode evitar, por exemplo, que um divórcio litigioso afete a empresa da qual um dos cônjuges é sócio. Assim, o que é de casa, fica em casa, sem comprometer o funcionamento da empresa.

Finalmente, para endereçar o maior desafio das empresas familiares – o processo de sucessão – é imprescindível estruturar um planejamento sucessório sólido, que pode se basear em um ou mais mecanismos jurídicos. Os mais usuais são o testamento, a constituição de holding familiar e a antecipação da herança em vida através da doação do patrimônio, que pode vir acompanhada do gravame dos bens doados com cláusula de usufruto em favor do autor da herança.

Todos estes instrumentos garantem que eventos de falecimento na família, principalmente o do fundador, não causem conflitos adicionais e entraves às atividades regulares da empresa, além de assegurarem a tranquilidade de que cada pessoa assumirá o papel que lhe foi reservado e receberá o que lhe cabe por direito, tudo de acordo com um acordo prévio entre os envolvidos.

O ideal é que o plano de sucessão seja desenvolvido o quanto antes, quando ainda não seja urgente. É comum deixar para estruturar o planejamento sucessório só na última hora, de modo que acaba sendo feito às pressas. Consequentemente, o tempo para discussão entre os envolvidos é encurtado e as soluções propostas acabam deixando a desejar, aumentando o risco de ineficiências e questionamentos posteriores ao plano traçado.

Ainda no que se refere à sucessão nas empresas familiares, um estudo realizado pela PWC, uma das maiores empresas de auditoria e consultoria do mundo, indica a importância da profissionalização do negócio para suavizar o processo de transição. A definição e otimização de processos internos e a divisão mais clara de papéis e abre espaço para focar nos objetivos estratégicos do negócio.

Em busca da profissionalização, até mesmo o tipo societário da empresa pode ser alterado, a fim de implantar regras de governança mais consistentes e possibilitar um maior nível de controle e fiscalização. Para isso, as sociedades anônimas possuem regramento mais adequado do que as sociedades limitadas, por exemplo, embora exijam o cumprimento de mais formalidades. Assim, muitos são os aspectos que precisam ser considerados ao definir o tipo societário da empresa, pois isso impactará desde o regime de tributação até a forma de administração.

Em conclusão, o planejamento estratégico se mostra mais do que necessário, mas imprescindível para garantir a longevidade das empresas familiares. Esse planejamento deve abranger o futuro da família e da empresa, tendo em vista que, nesse tipo de negócio, eles estão intimamente ligados. Só assim é possível escapar das estatísticas de “morte precoce” e assegurar a continuidade dos negócios por muitas gerações.

 

Por Nina Côrtes da Veiga

Artigo originalmente publicado na Revista Rochas de maio/junho de 2020 (Planejamento Estratégico em Empresa Familiares)

 

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