Planejamento sucessório: uma segurança para o futuro dos herdeiros
11 de novembro de 2020
Diz o ditado popular que “a única certeza da vida é a morte”. Mesmo assim, o assunto ainda é tabu na hora de ser discutido, sobretudo quanto aos seus efeitos sucessórios. Deixando de lado discussões mais profundas, tem-se a morte como o fim da existência física de alguém, o qual, contudo, ainda impactará na vida de seus herdeiros a partir da transmissão da herança que, no Brasil, poderá se dar por meio da sucessão legítima ou da testamentária.
A sucessão legítima é aquela que ocorre seguindo a ordem de vocação hereditária e demais normas previstas em lei. Assim, inexistindo testamento, a herança será transmitida – observadas as regras de preferência, exclusão e concorrência – aos herdeiros legítimos, quais sejam: descendentes, ascendentes, cônjuge ou companheiro e colaterais até o quarto grau.
Já a sucessão testamentária se dará conforme a vontade do autor da herança, expressa, em regra, em seu testamento. Este, para ser válido, deverá respeitar as regras e restrições impostas pela lei, em especial o fato de que, havendo herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge ou companheiro), o autor da herança somente poderá dispor livremente, em favor de quem quer que seja, de metade de seus bens.
Os outros 50% do patrimônio deixado necessariamente irão compor a chamada legítima, parte da herança destinada aos herdeiros necessários. Ou seja, metade da herança deverá ser direcionada, obrigatoriamente, a essa classe de herdeiros. Somente a outra metade é que poderá ser usada, se assim desejar o autor da herança, para beneficiar quem não for herdeiro necessário.
Porém, inexistindo herdeiros necessários, poderá o testador dispor da totalidade de seus bens, ainda que existam outros herdeiros legítimos a receberem a herança. É que todo herdeiro necessário é herdeiro legítimo, mas nem todo herdeiro legítimo é herdeiro necessário, como no caso dos colaterais até o quarto grau – irmãos, sobrinhos, tios, primos, tios avós e sobrinhos netos – que, apesar de serem herdeiros legítimos, podem ser excluídos da sucessão se for da vontade do testador.
Assim, respeitada a legítima, poderá o interessado destinar a outra metade da herança para amparar quem quer que deseje, independentemente de ser herdeiro legítimo, ou não. Poderá, inclusive, favorecer apenas um (ou alguns) de seus herdeiros necessários. É o caso, por exemplo, daquele que deseja destinar a metade disponível da herança apenas em favor de seus filhos, que, assim, herdarão sozinhos metade da herança e concorrerão com o cônjuge ou companheiro somente em relação à legítima. Ou, da mesma forma, o caso daquele que tem um filho que requer cuidados especiais e, por isso, deseja deixar-lhe uma parcela da herança maior do que a destinada aos demais descendentes, a fim de assegurar a manutenção desses cuidados no caso de sua falta.
Um dos principais meios para dar destinação diversa da prevista em lei à metade disponível da herança é o testamento, que poderá ser feito por instrumento público ou privado.
Mas é importante destacar que o testamento não precisa disciplinar apenas aspectos materiais, podendo, também, versar sobre questões imateriais. Em verdade, um testador pode inclusive se limitar a fazer disposições de cunho não patrimonial. É o caso, por exemplo, de quem se vale de um testamento somente para nomear um tutor para um filho menor que se torne órfão de ambos os pais, ou para reconhecer um filho ainda não registrado em vida, dentre muitas outras hipóteses.
Enfim, há uma enorme gama de disposições de vontade que podem ser expressas pelo testamento, destacando-se que, em se tratando de questões patrimoniais e existindo herdeiros necessários, é indispensável que a legítima seja respeitada. Do contrário, o testamento será considerado nulo naquilo que excedeu aos 50% disponíveis da herança.
Importante destacar, também, que tal limitação à disposição do patrimônio não está restrita ao testamento. Ainda em vida, deverá ser observada a preservação da parte patrimonial que corresponder à legítima, sendo considerada nula a doação que exceder à parte de que o doador poderia dispor em testamento. É a chamada doação inoficiosa.
Tal vedação, porém, se limita aos atos de disposição gratuitos do patrimônio, como as doações. Trata-se de exceção, haja vista que a regra é a liberdade de disposição, pelo autor da herança, da totalidade de seus bens, desde que o faça por meio de atos onerosos e sem ferir outras normas legais. Ou seja, na generalidade, é possível ao autor da herança, por exemplo, vender (ato oneroso) em vida todos os seus bens e usar os pagamentos recebidos da maneira que lhe aprouver. Afinal, ninguém é obrigado a deixar herança! Porém, neste pormenor, importante observar que em casos de compra e venda celebrada entre ascendente e descendente (a chamada “venda de pai para filho”) será necessário o consentimento expresso dos demais descentes e do cônjuge, sob pena de ser anulável a transação, por se presumir em casos tais fraude contra os demais herdeiros.
Enfim, o Direito das Sucessões está presente na vida de todas as pessoas. Em condições normais, todos (dos mais abastados aos menos) precisarão enfrentar um inventário decorrente do falecimento de um familiar. Ao mesmo tempo, é uma esfera do Direito que dispõe de regras bastante específicas que, se desrespeitadas, trazem consequências graves.
O processo de inventário, muitas vezes, se revela demorado, burocrático e caro para os herdeiros, podendo colocar em xeque a robustez do patrimônio familiar e representar, por vezes, verdadeira ameaça à saúde financeira dos herdeiros. Daí a importância para todos de haver uma boa gestão do planejamento sucessório, destinado a promover a organização antecipada da sucessão patrimonial de um indivíduo.
Cada situação em concreto irá demandar uma solução personalizada, mas, em geral, são bons exemplos de instrumentos destinados ao planejamento sucessório o testamento, a holding familiar, a doação de bens em vida, a previdência privada, o seguro de vida (que não é herança, mas é um importante aliado em muitos casos de planejamento sucessório), dentre outros.
Por isso, é importante deixar de lado o constrangimento – que, diga-se, não deveria existir – de tratar sobre os aspectos patrimoniais da sucessão e buscar orientação profissional de confiança para garantir, por meio do planejamento sucessório, a continuação, em gerações futuras, daquilo que foi construído ao longo da vida com muita dedicação, além, é claro, de amenizar problemas em um momento já tão delicado quanto o falecimento de um ente querido, inclusive evitando-se brigas familiares decorrentes de eventuais discordâncias.
Por Gilson Simão Passos