Sociedade Uniprofissional: tributação e desconsideração da personalidade jurídica
18 de fevereiro de 2019
A sociedade uniprofissional é constituída por profissionais que desempenham a mesma atividade intelectual de forma pessoal e respondendo por seus atos. Trata-se de uma realidade bem-sucedida em nosso país.
Médicos, odontólogos, engenheiros, advogados, contadores e mais um extenso rol de prestadores de serviços de profissão legalmente regulamentada, desde há muito, reúnem-se em sociedades uniprofissionais para o exercício de suas profissões, beneficiados por tratamento tributário diferenciado.
Esse tratamento, inicialmente previsto na Lei nº 9.430, de 1996, consistia em equiparar as sociedades civis de prestação de serviços (sociedades uniprofissionais) às demais pessoas jurídicas, para fins de incidência de Imposto de Renda e de contribuição para seguridade social.
É importante lembrar que, antes dessa legislação, o tratamento tributário era bem diferente, porque não incidia Imposto de Renda sobre o lucro da sociedade de prestação de serviços, mas esse lucro era considerado automaticamente distribuído aos sócios, sofrendo a tributação como rendimento do trabalho assalariado. Assim, a Lei nº 9.430/96 foi um avanço extraordinário e propiciou a adoção dessa nova moldura jurídica, a partir de então, pelos profissionais já referidos.
Atualmente, a matéria é tratada pela a Lei nº 11.196, de 2005, em seu Art. 129, assim redigido:
Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.
O presente trabalho tem por objeto exatamente a questão da observância do Art. 50 do Código Civil, que dispõe:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Aqui, importa esclarecer que a personalidade jurídica da empresa implica que possa ela, empresa, ser sujeito de direitos e deveres, o que inclui a existência de um patrimônio (complexo de direitos, deveres e bens) autônomo, isto é, independente das pessoas dos sócios e dos administradores.
Isto resulta que, embora os serviços sejam prestados pelos sócios, é o patrimônio da sociedade que responde pelas incidências fiscais e por eventuais prejuízos causados a terceiros, em função dessa prestação.
Esse quadro sofre profunda alteração na situação tratada pelo Art. 50 do Código Civil.
De acordo com ele, quando o sócio ou o administrador da sociedade fazem uso abusivo da personalidade jurídica da empresa, a lei permite a desconsideração da personalidade jurídica, com a consequente responsabilização dos próprios administradores ou sócios da sociedade.
Então, o que é esse abuso da personalidade jurídica? O próprio artigo 50 estabelece que o abuso de personalidade jurídica (ou seja, abuso de direito), é caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Cabe, pois, examinar, o que seja “desvio de finalidade” e “confusão patrimonial”.
Com relação ao “desvio de finalidade”, cumpre dizer que todo direito tem uma finalidade, uma função específica. Quando uma empresa adquire personalidade jurídica, essa aquisição fica vinculada ao objeto social da empresa, conforme previsto em seu contrato social ou ato equivalente.
Além disso, o uso da personalidade jurídica deve atender ao que dispõe a lei civil, em seu Art. 187:
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Logo, o uso regular da personalidade jurídica da empresa, pelos sócios ou administradores, está limitado pelos fins econômicos da empresa, pelo princípio da função social do contrato (Art. 421 do Código Civil), pelo princípio da boa-fé e pelos bons costumes do lugar em que opera a empresa (Art. 113 do Código Civil).
O caso mais comum de uso irregular da personalidade jurídica é o do encerramento das atividades sem observância da legislação, isto é, arquivamento do ato de dissolução no órgão próprio e comunicação aos órgãos fiscais.
O outro tipo mencionado de abuso da personalidade jurídica da empresa (confusão patrimonial) é de fácil compreensão, significando o uso do patrimônio da empresa em benefício dos negócios particulares do sócio ou administrador ou vice-versa.
Esse outro tipo caracteriza-se, por exemplo, pelo uso de recursos da empresa para a cobertura de débitos pessoais dos sócios ou administrador, disfarçado em empréstimo sem cobrança de juros e sem prazo certo de pagamento.
Em tais situações, sócios e administradores arriscam-se a ver seus patrimônios comprometidos pelos atos por eles mesmos praticados ou mesmo (se praticados por outros sócios ou administradores), por eles tolerados.
É o que se chama de desconsideração de personalidade jurídica, uma vez que, por decisão judicial, são levantados os bens de propriedade dos sócios e administradores (imóveis, veículos, contas bancárias, etc.) e indisponibilizados (isto é, não podem mais ser alienados ou onerados), a fim de que sirvam ao pagamento de débitos fiscais, indenizações por atos ilícitos e quaisquer outros passivos da pessoa jurídica.
Dessa forma, vê-se que, mesmo com tratamento tributário diferenciado, a sociedade uniprofissional, incluindo seus sócios e administradores, podem passar por um processo de desconsideração da personalidade jurídica, caso sua atividade seja enquadrada nas situações acima.