STF: É inconstitucional a compensação de ofício de créditos decorrentes de pedidos de restituição/ressarcimento com débitos com a exigibilidade suspensa por parcelamento
9 de setembro de 2020
O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu o entendimento vinculante de que “é inconstitucional, por afronta ao art. 146, III, b, da CF, a expressão “ou parcelados sem garantia”, constante do parágrafo único do art. 73, da Lei nº 9.430/96, incluído pela Lei nº 12.844/13, na medida em que retira os efeitos da suspensão da exigibilidade do crédito tributário prevista no CTN”.
Noutras palavras, o STF declarou ser inconstitucional a realização de “compensação de ofício” de créditos decorrentes de pedidos de restituição ou ressarcimento com débitos que se encontram parcelados, ainda que se trate de “parcelamento sem garantia”, prática esta que é bastante comum no âmbito da Receita Federal do Brasil.
A tese jurídica foi definida no julgamento do leading case RE 917285, analisado pelo Plenário do STF e julgado em 18/08/2020, dando origem ao “Tema de Repercussão Geral nº 874/STF”. O precedente deverá, obrigatoriamente, ser seguido e aplicado por todos os Juízes e Tribunais pátrios, nos termos do Art. 927, III, do Código de Processo Civil.
Com o novo entendimento vinculante definido pelo STF, os contribuintes terão mais segurança jurídica para requerer (administrativa ou judicialmente) a restituição/ressarcimento de créditos tributários.
Entenda o caso:
O Supremo tinha como objeto de análise o parágrafo único do Art. 73 da Lei nº 9.430/96 (com a nova redação dada pela Lei nº 12.844/13), que assim prescreve:
“Art. 73. A restituição e o ressarcimento de tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil ou a restituição de pagamentos efetuados mediante DARF e GPS cuja receita não seja administrada pela Secretaria da Receita Federal do Brasil será efetuada depois de verificada a ausência de débitos em nome do sujeito passivo credor perante a Fazenda Nacional.
Parágrafo único. Existindo débitos, não parcelados ou parcelados sem garantia, inclusive inscritos em Dívida Ativa da União, os créditos serão utilizados para quitação desses débitos, observado o seguinte:”
O referido artigo regula o procedimento administrativo de restituição/ressarcimento de créditos tributários administrados pela RFB, bem como sobre a restituição de pagamentos efetuados mediante DARF e GPS, ainda que não administrados pela RFB.
Como se nota, o Art. 73 prescreve que antes de ser deferido o “pedido de restituição/ressarcimento”, a Administração deverá verificar se existem débitos tributários em nome do sujeito passivo e, existindo débitos “não parcelados ou parcelados sem garantia”, deverá realizar a compensação de ofício dos referidos débitos com o crédito decorrente do pedido de ressarcimento/restituição.
Tal procedimento é corriqueiro nos processos administrativos fiscais federais. Não raramente a Receita Federal do Brasil realiza a compensação de ofício dos créditos do sujeito passivo, oriundos de pedidos de restituição/ressarcimento, com débitos que se encontram em regular parcelamento, sob a justificativa de que “são parcelamentos sem garantia”.
Contudo, os contribuintes sempre se posicionaram veementemente contra tal prática, defendendo a inconstitucionalidade do § único do Art. 73 da Lei nº 9.430/96, por ir de encontro ao Art. 146, III, b, da CF/88 c/c Art. 151, VI, do CTN.
Isso porque o Art. 146, III, b, da CF/88 prescreve que somente “lei complementar” pode regular assuntos referentes ao “crédito tributário” e à “obrigação tributária”. Como a Lei nº 9.430/96 se trata de Lei Ordinária¸ não pode regulamentar assuntos referentes à “suspensão da exigibilidade do crédito tributário” ou sobre a “suspensão da obrigação tributária”.
No atual sistema jurídico pátrio, o Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/66) foi recebido pela Constituição Federal como lei constitucionalmente competente para regular os assuntos gerais em matéria de direito tributário, inclusive a respeito da “exigibilidade do credito tributário”.
Ao dispor a respeito da “exigibilidade do crédito tributário”, o CTN, enquanto lei geral em matéria tributária, prescreve em seu Art. 151, VI que o “parcelamento” é hipótese de “suspensão da exigibilidade do crédito tributário”, não fazendo qualquer ressalva à necessidade de existência de uma “garantia”.
Diante disso, o STF reconheceu que o § único do Art. 73 da Lei Ordinária nº 9.430/96 restringiu, de forma ilegal, o Art. 151, VI do CTN, ao possibilitar a compensação de ofício de créditos do contribuinte com débitos cuja exigibilidade está suspensa.
Nas palavras do Ministro Relator, “sempre que uma lei ordinária discrepar de normas gerais de direito tributário, a incompatibilidade se resolve a favor do texto integrado em lei complementar ou com força de lei complementar, reconhecendo-se, no caso, vício de inconstitucionalidade, por invasão por lei ordinária de competência reservada, constitucionalmente, a lei complementar”.
Por fim, o Ministro Dias Toffoli destacou que “o parágrafo único do art. 73 da Lei nº 9.430/96 (incluído pela Lei nº 12.844/13), ao permitir que o Fisco realize compensação de ofício de débito parcelado sem garantia, condiciona a eficácia plena da hipótese de suspensão do crédito tributário – no caso, o ‘parcelamento’ (CTN – art. 151, VI) – a condição não prevista em lei complementar. Em outras palavras, retira os efeitos da própria suspensão da exigibilidade do crédito tributário prevista em lei complementar”.